Por um novo modelo de ensino médio e educação Profissional
Por Alessandra Moura Bizoni – alessandra.bizoni@folhadirigida.com.br
Doutor em Educação e com mais de 50 anos de experiência no setor educacional, Roberto Guimarães Boclin voltou ao Conselho
Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ) em agosto deste ano, junto com um grupo de educadores — alguns reconduzidos e
outros novatos no colegiado. Com a composição do órgão refeita, eleições foram realizadas: Boclin ingressou na lista tríplice de
candidatos à presidência e foi nomeado, no final de setembro, presidente do CEE/RJ pelo governador Sérgio Cabral.
Já no início de sua gestão, Boclin, chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, apresentou aos seus colegas uma
proposta para transformar os ensinos médio e técnico do país — segmentos estratégicos para qualificação de mão de obra. A proposta
do educador, que pode se tornar um anteprojeto para alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) — a Lei 9394/1996 —,
prevê a criação de um “ensino técnico” equivalente ao ensino médio e também a instituição de classes diferenciadas no terceiro ano do
ensino médio, contemplando as áreas humanista, tecnológica e biomédica.
Considerado um expoente da educação profissional, o novo presidente do CEE/RJ buscou inspiração nas ideias de Gustavo Capanema,
ministro da Educação da “Era Vargas”, e também na proposta de Escola do Trabalho, inspirada nas ideias de Karl Marx. “Vamos criar
uma comissão para analisar essas ideias e transformá-las em um projeto de lei que vamos submeter, evidentemente, ao nosso secretário
de Educação, Wilson Risolia. E, quem sabe, poderemos encaminhá-lo ao Congresso Nacional”, revelou.
Além de implementar um administração moderna e aprofundar o debate das políticas educacionais, o presidente do CEE/RJ pretende
calcular os custos para a transformação do colegiado em órgão de Estado, como prevê o Plano Estadual de Educação do Rio de Janeiro
(Lei nº 5597, de 18 de dezembro de 2009).
Folha Dirigida – Quais os seus planos para sua nova gestão no CEE/RJ?
Roberto Boclin – Tenho um plano, uma obsessão antiga, de desenvolver um projeto de lei que resgate a importância do ensino técnico
e, ao mesmo tempo, reoriente o ensino médio. Minha inspiração vem do trabalho desenvolvido pelo ministro da Educação, Gustavo
Capanema.
Como surgiu essa ideia?
Nos anos 40, o ministro Gustavo Capanema criou uma série de situações legais interessantes: a Diretoria do Ensino Industrial; a
Diretoria do Ensino Comercial; o curso Normal. E, Getúlio Vargas, na esteira das ideias de Capanema, espalhou pelo país inteiro escolas
técnicas — em todos os estados existia uma Escola Técnica Nacional para formar técnicos. E, nesse contexto, existe um aspecto
curioso: o ensino técnico tinha um currículo próprio, independente, equivalente ao que hoje se chama de ensino médio e que, àquela
época, era chamado de ensino secundário.
Por que o senhor considera esse modelo interessante?
Porque havia um consenso de que a Matemática, a Química, a Física e outras disciplinas do ensino técnico são diferentes da
Matemática, da Química e da Física do ensino médio, por exemplo. Quem leciona Matemática para o ensino técnico, ensina Matemática
acompanhada de suas aplicações. Enquanto quem leciona Matemática no ensino médio, ensina Matemática por meio de seus princípios.
Além disso, as ênfases das disciplinas no ensino técnico são voltadas para a carreira escolhida pelo aluno.
E dentro da sua proposta, esse diploma do ensino técnico equivalente ao do ensino médio daria a possibilidade de
continuidade dos estudos?
Sim. Proponho que se faça um ensino técnico equivalente ao ensino médio. Os egressos desses cursos poderiam dar continuidade aos
seus estudos em uma graduação tecnológica, em um mestrado profissional e depois no doutorado. Essa perspectiva de continuidade
seria inspirada na legislação que criou a figura do tecnólogo. Imagino que discutindo-se essa questão, poderíamos criar uma linha
eminentemente profissionalizante.
Como avalia a proposta do ensino técnico integrado ao ensino médio?
Essas ideias que surgiram nos últimos anos de ter o ensino técnico agregado ao ensino médio, de algum modo, desprezam a qualidade
do ensino técnico. O sujeito só pode ser técnico se o seu currículo estiver integrado ao do ensino médio? Isso é um absurdo. Nos países
desenvolvidos, nos países que deram certo, isso não existe. Este é um ranço colonialista da academia.
Quais problemas o senhor aponta no ensino técnico do país?
Temos uma questão séria. Estatísticas mostram que nem 10% dos concluintes do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso
Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), por exemplo — uma escola técnica de referência —, vão ser técnicos. A maioria dos alunos vai para
universidade, pois o curso é muito bom.
E que alternativa o senhor propõe?
Pesquisas feitas junto aos trabalhadores, como os da Construção Naval, por exemplo, indicavam que os técnicos eram os filhos dos
operários. Dificilmente, encontramos um técnico filho de um advogado, de um médico ou de um engenheiro. Minha proposta, que é a do
Gustavo Capanema, é a de um ensino técnico autônomo, organizado segundo os seus objetivos. Ele deve ser oferecido aos jovens que
efetivamente queiram ser técnicos. E, depois, dentro de um princípio de educação continuada, eles poderão se interessar em adquirir
mais conhecimentos em sua profissão técnica, fazendo uma graduação tecnológica e, mais adiante, quem sabe, ingressando em um
mestrado profissional. Essa seria a linha de formação do técnico.
E de que forma essas propostas seriam implementadas?
Para tanto, é preciso que se crie um projeto de alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Lei 9394/1996.
O senhor tem alguma outra sugestão para o ensino médio?
Sim. Também inspirado no trabalho de Gustavo Capanema, proponho que o ensino médio tenha três vertentes no terceiro ano: a
humanista, a tecnológica e a biomédica. Assim, o aluno do ensino médio teria dois anos de currículo básico comum e o último ano
direcionado a suas vocações.
De que forma esse projeto seria implementado?
Parto do princípio de que, quando o aluno, aos 14 anos, escolhe o ensino técnico, segue essa diretriz de tradição familiar, segundo uma
necessidade mais imediata de trabalho e pelas questões familiares. Já os demais alunos que pretendem ingressar no ensino superior,
ainda são muito infantis aos 14 anos para escolher uma profissão universitária. Eu daria um tempo de dois anos a esses jovens para que
aos 16 ou 17 anos eles fizessem a escolha por uma área de interesse. E, ainda nesse projeto de alteração do ensino médio, iria além,
modificando a denominação de ensino médio para ensino secundário.
Por quê?
Porque o médio não diz absolutamente nada. O médio pode ser uma virtude, porque está no meio. Mas, no caso do ensino, o termo
médio é até desmerecedor. Quando se pergunta a um aluno: você está estudando o quê? Ele diz: estou no ensino médio. O termo
referente à etapa anterior — ensino fundamental — é muito mais forte do que ensino médio. E a terceira etapa continuaria como ensino
superior.
E que valor o senhor acredita que o termo “secundário” agregaria?
O termo secundário agregaria valor no sentido de que ele é um ensino de maior importância. O fundamental seria o básico e depois viria
o secundário. Na época do Capanema havia ensino primário, secundário e ensino superior. Os termos 1º e 2º graus eram péssimos.
Quando o aluno dizia estar cursando o 2º grau não se tinha noção de sua opção profissional. Ao passo que ao afirmar estar cursando o
Biomédico ou o Clássico, já se tinha a clareza de sua vertente profissional.
E de que forma esse assunto se desdobra no CEE/RJ?
Iniciei esta discussão entre os membros do colegiado, com quem pretendo aprofundar o debate. Vamos criar uma comissão para analisar
essas ideias e transformá-las em um projeto de lei que vamos submeter, evidentemente, ao nosso secretário de Educação, Wilson
Risolia. E, quem sabe, poderemos encaminhá-lo ao Congresso Nacional. Esse projeto tem uma fundamentação na proposta de Escola
do Trabalho, inspirada nas ideias de Karl Marx.
O senhor poderia explicar a proposta de Escola do Trabalho?
Lênin e Pistrak criaram, na Rússia, em 1917, a Escola do Trabalho. Havia uma obsessão pela formação da classe operária. Queriam
melhorar a formação do trabalhador; introduziram o conceito da politecnia e muitos outros. O Senai tem inspiração nas ideias do alemão
Georg Kerchensteiner. Ele, na Alemanha, na Baviera, entre o final do século XIX e o início do século XX, criou a “Arbeitschule”, a sua
Escola do Trabalho. Seu pensamento era voltado para a pedagogia do trabalho: se os alunos aprendessem as técnicas do trabalho,
aprenderiam mais rapidamente os conteúdos da educação básica. E constatei isso no Senai/RJ, como professor e diretor de escolas. Os
alunos do Senai entravam quase analfabetos. Eles tinham o que, à época, se chama “primário completo” e não sabiam sequer escrever,
ler e contar. E terminavam o curso sabendo muito bem ler, escrever e contar; conhecendo desenho técnico e entendendo a manipulação
das máquinas. Muitos desses alunos que ingressaram sem saber nada fizeram curso superior e se transformaram em instrutores,
supervisores e até em diretores de unidades do Senai. Outros nomes da Escola Nova, como Pestalozzi e Montessori, também pensavam
da mesma maneira. Essa Escola do Trabalho, na verdade, é uma escola independente da educação básica, é uma escola voltada para a
formação do técnico, do trabalhador.
Uma escola nestes moldes pode ser uma alternativa para enfrentar os problemas do ensino médio, cujos índices de evasão
chegam a 50%?
Sem dúvida alguma. As estatísticas revelam que de 14 a 15% dos alunos do ensino médio no Rio são reprovados. E outros 35%
abandonam o curso. Então, entre reprovados e evadidos estão 50% dos alunos. De cada 100 alunos que ingressam no 1º ano do ensino
médio, somente 50 conseguem se formar. E desses 50 que saem no ensino médio, apenas 10% concluem seu curso superior na faixa
obrigatória. Não tenho dúvida de que essas propostas podem despertar uma mudança profunda no ensino médio e também no ensino
técnico. Além disso, é preciso tomar algumas outras medidas. É inadmissível que esse ensino médio funcione, aqui no Rio, na maioria
das vezes, à noite, com três ou quatro horas de aula, e uma grade com 13 disciplinas. Isso é um contra-senso.
Então, o que senhor sugere para o ensino médio?
Sou a favor de uma escola de ensino médio durante o dia, nunca à noite; com, pelo menos, cinco horas de aula, e com um máximo de
sete disciplinas.
Além dessas propostas para o ensino médio e técnico, que outras ações o senhor pretende implementar no CEE/RJ?
Pretendo implementar um processo de administração digital no órgão.
Nos últimos quatro anos, na gestão de Paulo Alcantara, algumas mudanças foram implementadas no colegiado, como a
redução do trabalho cartorial e a descentralização dos processos. O senhor pretende dar continuidade a este tipo de política?
Claro que sim. Acredito que o Paulo Alcantara fez um trabalho ótimo. Ele é competentíssimo.
Na sua avaliação, quais os temas mais urgentes da educação fluminense precisam ser debatidos pelo colegiado? Por quê?
Temos que trabalhar muito a área da avaliação das universidades, das instituições públicas estaduais, fortalecer as Comissões
Permanentes de Avaliação destas instituições; desenvolver esse trabalho que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) faz em nível nacional, trazendo esse processo para o âmbito estadual.
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.372, enviado pelo Executivo, que cria o Instituto Nacional de Avaliação e
Supervisão da Educação Superior (Insaes). O senhor concorda como esta proposta?
Penso que essa proposta é boa na medida em que será criado um órgão de avaliação. O Inep exerce essas funções muito bem, com
modernidade. Mas, independentemente disso, ele tem funções de outra natureza, que vão além da avaliação. O Inep é um IBGE da
Educação. Esse órgão novo, eu suponho, será especializado em avaliação, o que é muito bom. A cultura de avaliação está sendo
implantada gradualmente. Isso não acontece da noite para o dia. Por enquanto, a maioria das universidades e instituições de ensino
superior fazem avaliação para cumprir a legislação. Porém, no futuro, eles farão avaliação por necessidade, no sentido de
aprimoramento do desempenho acadêmico.
O Plano Estadual de Educação (PEE/RJ), Lei nº 5597, de 18 de dezembro de 2009, previa que no prazo de um ano, a partir de sua
publicação, o Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro se transformaria em um órgão de Estado, com dotação
orçamentária e quadro de pessoal próprios. Por que, até hoje, isso não aconteceu?
Na Lei do Sistema Estadual (Lei nº 4528/2005), já em 2005, introduzimos nossa proposta de que o CEE/RJ se transformasse um órgão
de Estado e deixasse de ser um órgão de governo. Esse item foi vetado pela governadora Rosinha, por razões orçamentárias, pois
trata-se um custo. O que pretendo fazer é calcular esse custo e mostrar ao governador, se for o caso, quanto custa a transformação do
CEE/RJ em órgão de Estado. Acredito que o custo será baixo. Vamos tentar implementar nesse novo quadro de pessoal uma assessoria
jurídica. Vamos também elaborar um organograma. É uma questão de tempo.
O senhor acredita que este salto pode ser atribuído à gestão do secretário Wilson Risolia?
Em grande parte, sim. A educação acontece na sala de aula; ela é uma relação ética e cultural entre aluno e professor. O que a
Secretaria de Educação tem que fazer é dar todas as condições para que o processo funcione bem; fazer a supervisão, garantindo todas
as condições gerais para o bom funcionamento. E aí entra a figura do gestor. A pedagogia, a didática, ficam a cargo dos técnicos. O
governador acertou quando levou Wilson Risolia para educação. Eu sou fã de Risolia. Esses dados sinalizam um novo momento da
educação. Acredito que conseguiremos cumprir a meta de estar entre os cinco melhores estados do país no ranking do Ideb, em 2014.